Editorial Plataforma Macau 01/06/2018
Os académicos norte-americanos Robert Keohane e Joseph Nye cunharam, há cerca de 40 anos, um conceito que tem servido de bússola para uma boa parte das análises mais sensatas sobre as relações internacionais: Interdependência Complexa. Sempre que pensamos que o conflito armado entre grandes potências é inevitável, somos lembrados da profunda rede de interdependência económica resultante do processo de globalização das últimas três décadas. A forma como a China se tem posicionado no seu relacionamento com a vizinhança, o mundo em desenvolvimento e o “Ocidente” ilustra bem o modo como o processo interno de reformas económicas e abertura externa densificou esses laços de interdependência. Se nos abstivermos de sobrevalorizar a retórica política para consumo interno dos dois lados, é isso que acaba por prevalecer na chamada “guerra comercial” entre a China e os Estados Unidos. Trump surge com um discurso musculado de nacionalismo económico, mas essa narrativa acaba por cair por terra no teste com a realidade. Não quer isto dizer, necessariamente, que devamos ter a ilusão da Paz Perpétua Kantiana, uma vez que os interesses nacionais e transnacionais do complexo militar-industrial mantêm a paz e a segurança internacional sob pressão elevada. E os alçapões dos dilemas de segurança e profecias que se cumprem a si próprias abundam.
Todavia, vale a pena olhar, longitudinalmente, para o processo histórico da interdependência entre sociedades, estados e as redes transnacionais ao longo das últimas décadas. Encarando o futuro, Yuval Noah Harari, ensaísta israelita autor dos recentes e desafiantes Homo Sapiens e Homo Deus, elabora no seu novo livro que se encontra no prelo – 21 Lessons for the 21st Century – as razões pelas quais o aquecimento global, as disrupções causadas pela tecnologia ou a proliferação nuclear vão tornar-nos, sociedades e estados, cada vez mais interdependentes e com necessidade de mais projetos de cooperação. No fundo, trata-se de algo que está presente não apenas nas sociedades humanas, como nas animais, em linha com o que defendia, no início do século XX, o filósofo naturalista e libertário russo Piotr Kropotkin em Ajuda Mútua: Um Factor de Evolução, uma visão alternativa à lógica da sobrevivência do mais forte de Darwin. São, na verdade, duas faces da mesma moeda: competição e cooperação coexistem nas relações entre animais, humanos, sociedades e estados. O progresso científico, económico e social torna ainda tudo mais complexo e interdependente. Será, citando os discursos mais recentes da liderança chinesa, uma “comunidade de futuro partilhado para a humanidade”? O fim do mundo pode esperar.
José Carlos Matias 01.06.2018