A realização do Fórum Social Mundial em Mumbai, na Índia, em 2004 manifesta uma abertura do chamado movimento alterglobalização para uma amplitude mais global, isto é, sai do casulo e eixo “América-Europa” onde tem estado a dinamizar acções de protesto que por mais globais que seja devido às novas tecnologias da informação e á rede de media alternativos, tem manifestado uma perspectiva de médio alcance face ao continente asiático, ou seja pouco para além do Médio Oriente.
Contudo o objectivo deste texto é avançar mais na latitude para Este rumo à China e ao Sudeste Asiático, onde no primeiro país a economia de mercado floresce com a benção de um regime capitalista burocrático de estado e no segundo caso, se assiste a um possível regresso dos temíveis tigres asiáticos (de papel?).
Em 1980, Folker Frobel perspectivava em “The New International Division of Labour” a emergência de uma nova divisão internacional do trabalho, na qual as empresas multinacionais seriam os actores principais numa nova ordem eeconómica à escala global. Ordem essa que teria como agentes mobilizadores agências financeiras multilareais. Nesta reorganização economico-financeira sobressaem três grandes blocos, ou epicentros do capitalismo transnacional: os Estados Unidos da América à cabeça do continente americano, a União Europeia em rede com o Norte de África e o Japão a iluminar os quatro tigres- Taiwan, Coreia do Sul, Singapura e Hong Kong. Os traços deste triângulo eram reforçados ao mesmo tempo que havia alterações fulcrais na nova ordem mundial com a queda do Império Soviético.
No entanto com a Crise asiática em 1997 e a entrada da China para a Organização Mundial de Comércio a Este surgiu algo de novo. Depois de um sono profundo de vários séculos, por vezes intermitente como mais adiante vamos dar conta, o dragão acorda. Mas nãos e pense que o Império do Meio acordou de súbito para disputar o jogo do capitalismo internacional. O historiador Andre Gunder Frank em “Re-Orient: Global economy in the Asian Age” argumenta que a versão dominante da História no Ocidente está impregnada de um euro-centrismo que enevoa um entendimento lúcido sobre a a evolução da “Economia Mundo”. Assim, Frank entende que a hegemonia europeia à escala global só terá de facto acontecido após o início do século XIX, uma vez que até 1800 a China em especial durante a dinastia Qing e a Índia nomeadamente aquando da era de Mughal eram os maiores centros de comércio internacional (à escala daquela época) do mundo. O próprio Adam Smith asseverou que“a China é um país muito mais rico do que qualquer parte da Europa”. Mais recentemente com a política de abertura ao investimento privado que teve em Deng Xiao Ping o dinamizador, a partir dos anos 80, a República Popular deu início a uma caminhada gradual e estratégica de integração na ordem económica mundial. A entrada na Organização Mundial de Comércio foi o culminar desta fase da abertura económica que, no entanto ainda está a meio desse trilho rumo à prosperidade, até porque como postulou o ex Presidente da República Popular da China Jian Zemin, “enriquecer é revolucionário”. Sigamos então o rasto dessa revolução No caso da China, se durante vários séculos tal como anota David Landes em “A Pobreza e a Riqueza das Nações” a Europa soube ser aprendiz beneficiando com as descobertas chinesas, agora a China aprende com essa invenção da Revolução Industrial a que muitos chamam de economia de mercado. E que mercado! Mil e trezentos milhões de habitantes.
Mas nãos e pense que a esta abertura no plano económico, corresponde a abertura política, mesmo que tomemos como bem intencionada a resposta do Comissário Europeu a perguntas de deputados no Parlamento Europeu sobre as violações dos direitos humanos: “um país comercialmente mais torna-se necessariamente menos repressivo. Por que seria a China uma excepção?”. Ou será que há um excepcionalismo chinês?
No entanto há mudanças políticas. Senão vejamos. Há um par de anos. na República Popular houve uma invenção que terá feito Marx dar voltas no túmulo: a “teoria dos três representantes”. Na cúpula do Partido Comunista têm direito a estar presentes todas as forças produtivas progressistas: camponeses, operários e capitalistas. Do ponto de vista constitucional, as autoridades de Pequim preparam-se este ano para abrir caminho para a inviolabilidade da propriedade privada. Com taxas de crescimento do Produto Interno Bruto próximas dos dois dígitos, a China avança agora para um projecto de integração económica no Este da Ásia que apesar de ainda nem sequer estar na fase embrionária já fervilha na inteligentsia do” Império do Meio” a par de outras potências económicas emergentes. No “Boao Fórum para a Ásia 2003”, decorrido em Outubro na ilha de Hainão uma espécie de Fórum de Davos para o continente asiático, foram defendidas teses que apontam para um processo de integração que poderá passar por uma zona de comércio livre, de investimento ou mesmo financeiro. Quer isto dizer que no reordenamento da ordem económica mundial no continente asiático se desenha um bloco mais forte do que somente a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) que procure “multilateralizar” o capitalismo mundial, ou por outras palavras, a globalização dos mercados. A comandar este polo ninguém melhor que o sábio e paciente “dragão”, timoneiro desta embarcação pronta a receber o investimento estrangeiro dos Estados Unidos ou da Europa, mas também para ser um agente competitivo com um mercado interno exponencial, com um custo de produção barato e por isso uma capacidade de colocar no mundo produtos a preços assustadoramente baixos. Que o digam os Estados Unidos que ainda recentemente impuseram quotas de importação de têxteis e de aparelhos de televisão vindos da China.
Mas se o capitalismo é abençoado por Pequim ainda há quem, como por exemplo o então Presidente do Partido dos Trabalhadores do Barsil, Luís Inácio Lula da Silva aquando de uma visita há um par de anos a Pequim parecia acreditar que “A impressão que dá é que eles estão aprendendo a ganhar dinheiro com os capitalistas, para gastá-lo como socialistas”. E já agora para descobrir se Lula se enganou ou não, que tal organizar o próximo Fórum Mundial Social em Xangai? Se Pequim deixar e Deus quiser.
Tuesday, May 18, 2004
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