Saturday, June 02, 2018

Interdependências

Editorial Plataforma Macau 01/06/2018

Os académicos norte-americanos Robert Keohane e Joseph Nye cunharam, há cerca de 40 anos, um conceito que tem servido de bússola para uma boa parte das análises mais sensatas sobre as relações internacionais: Interdependência Complexa. Sempre que pensamos que o conflito armado entre grandes potências é inevitável, somos lembrados da profunda rede de interdependência económica resultante do processo de globalização das últimas três décadas. A forma como a China se tem posicionado no seu relacionamento com a vizinhança, o mundo em desenvolvimento e o “Ocidente” ilustra bem o modo como o processo interno de reformas económicas e abertura externa densificou esses laços de interdependência. Se nos abstivermos de sobrevalorizar a retórica política para consumo interno dos dois lados, é isso que acaba por prevalecer na chamada “guerra comercial” entre a China e os Estados Unidos. Trump surge com um discurso musculado de nacionalismo económico, mas essa narrativa acaba por cair por terra no teste com a realidade. Não quer isto dizer, necessariamente, que devamos ter a ilusão da Paz Perpétua Kantiana, uma vez que os interesses nacionais e transnacionais do complexo militar-industrial mantêm a paz e a segurança internacional sob pressão elevada. E os alçapões dos dilemas de segurança e profecias que se cumprem a si próprias abundam. 
Todavia, vale a pena olhar, longitudinalmente, para o processo histórico da interdependência entre sociedades, estados e as redes transnacionais ao longo das últimas décadas. Encarando o futuro, Yuval Noah Harari, ensaísta israelita autor dos recentes e desafiantes Homo Sapiens e Homo Deus, elabora no seu novo livro que se encontra no prelo – 21 Lessons for the 21st Century – as razões pelas quais o aquecimento global, as disrupções causadas pela tecnologia ou a proliferação nuclear vão tornar-nos, sociedades e estados, cada vez mais interdependentes e com necessidade de mais projetos de cooperação. No fundo, trata-se de algo que está presente não apenas nas sociedades humanas, como nas animais, em linha com o que defendia, no início do século XX, o filósofo naturalista e libertário russo Piotr Kropotkin  em Ajuda Mútua: Um Factor de Evolução, uma visão alternativa à lógica da sobrevivência do mais forte de Darwin. São, na verdade, duas faces da mesma moeda: competição e cooperação coexistem nas relações entre animais, humanos, sociedades e estados. O progresso científico, económico e social torna ainda tudo mais complexo e interdependente. Será, citando os discursos mais recentes da liderança chinesa, uma “comunidade de futuro partilhado para a humanidade”? O fim do mundo pode esperar. 
José Carlos Matias  01.06.2018

Nós

Editorial Plataforma Macau 25/05/2018

Antes de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de George Orwell e mesmo de Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, Yevgeny Zamyatin assinava a primeira grande anti-utopia do século XX. Zamyatin era um revolucionário russo que muito cedo se desiludiu com a experiência soviética, logo naqueles primeiros anos após a Revolução de Outubro de 1917. Publicado em 1924, Nós retrata um mundo em que a liberdade individual tinha sido dizimada em virtude de uma totalitária imposição do colectivo, num distante século XXX. O espaço urbano é inteiramente construído de vidro, permitindo um sistema de vigilância e controlo em massa. Nestas obras de ficção que retratam sociedades distópicas há sempre uma figura omnisciente e omnipresente como o Benfeitor, em Nós, e o Grande Irmão, na obra de Orwell. Estes romances, nomeadamente os de Orwell e de Huxley, emergem no imaginário coletivo como percursoras, ainda de forma caricatural, de aspetos da vida contemporânea que se impõe um pouco por todo o mundo desenvolvido. O progresso resultante de notáveis avanços tecnológicos relacionados com as tecnologias da informação e a inteligência artificial é, em certa medida, ofuscado pelo uso dado por estados e grandes corporações como o Facebook ou a Google. A vigilância em massa, o reconhecimento facial e a erosão aceleradíssima da privacidade dos cidadãos a nível global surgem assim como Espadas de Dâmocles sobre as liberdades individuais e um conjunto de direitos fundamentais que minguam na ausência de pesos e contrapesos em muitas situações. 
Macau não é exceção. Instala-se algum receio de uma deriva securitária sem os freios necessários, algo que parece ser confirmado pelo recente pacote de medidas e propostas de legislação que suscitam fundadas preocupações. Entre estas encontram-se a instalação de videovigilância em massa nas ruas, as câmaras nos uniformes dos agentes policiais e o que poderá estar em causa com as futuras leis da cibersegurança e da interceção das comunicações, entre outros passos que poderão ser dados. Face a isto, cabe às autoridades assegurar mecanismos de fiscalização para evitar abusos e à sociedade ter capacidade para defender valores chave.
A segurança pública é, sem dúvida, um bem inestimável e um dever essencial do estado no contrato social com os cidadãos. A este nível, em Macau, o sucesso das autoridades é amplamente reconhecido. Neste contexto, estes últimos meses sinalizam uma guinada desproporcional que, se não for temperada, pode colocar sob pressão direitos, liberdades e garantias. Vivemos numa cidade pequena que, no extremo, se pode transformar num laboratório e “paraíso” para quem não contempla limites para o controlo sobre todo e qualquer movimento do ser humano. E num “purgatório” para todos os outros. Nós. Não tem de ser assim. 
José Carlos Matias  25.05.2018

Geografias e pensamentos

Editorial Plataform Macau 18/05/2018

Será o mundo composto, primordialmente por nomes ou verbos? Esta é uma pergunta fundacional lançada pelo psicólogo social norte-americano Richard Nisbett no livro Geography of Thought, em que o autor estuda as diferenças cognitivas entre ocidentais e orientais.
Ao passo que, por exemplo, para os gregos antigos as coisas pertenciam à mesma categoria se fossem descritas pelos mesmos atributos, para os chineses antigos a partilha de atributos não fazia com que fizessem parte da mesma classe. Era necessário que pudessem influenciar-se através de ressonância. Enquanto as categorias são denotadas por substantivos, as relações envolvem direta ou implicitamente verbos, que que relacionam os objetos denotando ações e reações. Ou seja, nada nem ninguém existe, isoladamente e independentemente. Tudo está relacionado. Nesse sentido, para realmente conhecer algo é fundamental entender todas as relações do objecto, coisa ou pessoa, quase como uma melodia que conjuga as notas e os tempos.
Em Macau este exercício reveste-se de idiossincrasias que densificam a procura desse caminho (Dao‭ ‬‮٩‬D). Ao celebrar o seu quarto aniversário, o PLATAFORMA prossegue a sua missão de procurar ligar as ações e relações entre verbos, objetos, textos, subtextos e, sobretudo, contextos. 
Na edição desta semana sobressaem duas vozes que representam facetas daquilo que se pode designar por “Espírito de Macau”. Uma delas é a do jurista, ex-deputado e membro do Conselho Executivo Leonel Alves pelo percurso ímpar de ponte entre comunidades, valores e interesses e pelo que afirma, sugere, alerta e procura construir para o futuro na entrevista de fundo que publicamos hoje. A outra é de um jovem talento local que inaugura um novo espaço dedicado à opinião e análise com a marca PLATAFORMA. Jacky Lee, nascido e formado, primeiramente em Macau, estudou Direito em Portugal e é um exemplo da nova geração de quadros bilingues que emergem na esfera pública e que pensam Macau numa perspetiva aberta e global.   
José Carlos Matias  18.05.2018


Ensinar a pescar

Editorial Plataforma Macau 11/05/2018

O provérbio chinês perde-se em tempos imemoráveis e acaba por ser um lugar- comum e uma verdade de La Palice. “Se deres peixe a um homem alimentá-lo-ás por um dia, se o ensinares a pescar alimenta-lo-ás para toda a vida”.  A este provérbio, há que juntar as simples e sábias palavras de Nelson Mandela: “A educação é a mais poderosa arma que podemos usar para mudar o mundo”. E por último, vem-nos à memória uma canção de meados dos anos 1990 de uma prodigiosa banda de hip-hop portuguesa, os Da Weasel: “Educacão é Liberdade”. Às dimensões estruturantes de autonomização, transformação e emancipação, junta-se uma outra camada pautada pela formação cívica, competitividade e formação  de elites que faça sobressair os talentos que, dentro e fora de portas, inovam, lideram e inspiram.  
Neste contexto, Sou Chio Fai tem em Macau um percurso ímpar por ter sido, anteriormente Diretor dos Serviços de Educação e Juventude e, mais recentemente, ocupar os cargos de Coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior e a Comissão de Desenvolvimento de Talentos. Na entrevista que concede ao PLATAFORMA esta semana, Sou denota uma visão e ambição que se espera que possa criar uma dinâmica que colmate as fragilidades que permanecem ao nível da formação de alto nível dos residentes locais. Três ideias chave emergem: alargar o âmbito da formação no exterior de modo a termos talentos bilingues em múltiplos setores; um reforço da ligação com universidades de referência no exterior, nomeadamente em Portugal e outros países de língua portuguesa; e oportunidade de estágios e experiência em organismo internacionais para que Macau possa ter quadros importantes e de topo nessas organizações. São objetivos que fazem todo o sentido e que devem ser acompanhados por medidas robustas para equipar as novas gerações com os instrumentos necessários para os enormes desafios que surgem no horizonte, começando pelo projeto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. 
A tarefa não é fácil, tendo em conta o importante mas tardio esforço antes da transição e as limitações estruturais que persistem. Não podemos, contudo, ficar pelo telhado. Há que cuidar das fundações. O sucesso desta empreitada depende de um sistema de ensino que passe, efetivamente, a incentivar o sentido crítico, tolerância, liberdade de pensamento, participação cívica, uma forte cultura humanística e curiosidade pelo mundo. Sem isso não há milagres. Ensinar a pescar não é apenas ensinar como fazer, mas também ensinar a pensar.  
José Carlos Matias  11.05.2018

Renovar o contrato social


O Primeiro de Maio foi assinalado em Macau com manifestações em que participaram algumas centenas de pessoas. Parecem estar longe os dias dos protestos de há uma década, em que marcavam presença milhares, marcados por uma tensão e por vezes agressividade latente. Foi na sequência da manifestação de 2007 que o Governo decidiu avançar com os “cheques” para os residentes. O que era inicialmente anunciado como uma medida ad hoc para dar resposta ao aumento do custo de vida  tornou-se num direito adquirido aos olhos da maioria, tendo esta política vindo a ser adoptada anualmente.
É certo que, ao longo dos últimos 10 anos, as políticas sociais do governo foram sendo reforçadas com um aumento das verbas para os mais variados subsídios. É também um facto que o crescimento  económico ‘estratosférico’ tem assegurado uma constante criação de emprego, que coloca a taxa de desemprego local nuns invejáveis 1,9 por cento. Todavia, o menor grau de conflitualidade social, os resultados alcançados e as medidas tomadas não escondem aspectos estruturais ao nível das relações laborais e desigualdades, que devem ser realçados e para os quais são precisas respostas.
Uma nova equação deverá emergir que passe, por um lado, por um melhor acesso por parte das empresas locais à mão-de-obra do exterior, sobretudo a qualificada – numa perspectiva menos protecionista – e, por outro, pelo fortalecimento da representação dos interesses dos trabalhadores. Este segundo passo materializar-se-ia, pela criação de uma legislação sindical, concretizando finalmente o disposto no Artigo 27o da Lei Básica, que abra caminho a um bom mecanismo de negociação colectiva.  Um contrato social renovado passa também por um leque mais alargado de medidas sociais de longo-prazo, com uma abordagem mais justa na redistribuição da riqueza, e não tanto em paliativos ou remendos que são renovados anualmente.
Há que salientar igualmente que as fórmulas encontradas não podem ignorar as necessidades de uma fatia da população que desempenha um papel crucial no desenvolvimento económico e social da RAEM: os 181 mil trabalhadores não-residentes. Muitos deles vivem e trabalham em Macau há anos, dezenas de anos em vários casos, e não faz sentido nem é justo que fiquem excluídos de representação nos órgãos de consulta do governo ou do acesso a benefícios da segurança social.
José Carlos Matias  04.05.2018

Bicho-da-Rota-da-Seda

Editorial Plataforma Macau 27/04/2018

Desde que Xi Jinping enunciou, em 2013, a ambiciosa iniciativa global Uma Faixa Uma Rota – entretanto rebatizada Faixa e Rota – que esta estratégia se tornou no centro gravitacional da política externa chinesa. O financiamento de projetos de infraestruturas de larga escala assumiu-se como eixo central, tendo a China criado, como instrumento chave desta dinâmica, o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB, na sigla inglesa), ao qual se juntaram já 64 países e regiões, entre os quais dois Países de Língua Portuguesa – Portugal e Timor-Leste – e a região administrativa especial vizinha, de Hong Kong. 
A primeira questão que sobressai é onde está Macau? Ou, por outras palavras, que papel poderá e deverá Macau desempenhar neste processo? Porque é que Macau ainda não se juntou ao AIIB? Foram estas as questões orientadoras do trabalho que publicamos nesta edição do PLATAFORMA e os factos e opiniões apontam todos no mesmo sentido: o quem sido feito é insuficiente e falta a Macau assumir um rumo claro neste projeto. Não é que não haja um enquadramento. Esse tem sido balizado pelo Governo Central. Em Março, o Chefe do Executivo Chui Sai On disse que iria assinar um acordo com a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma sobre a participação de Macau na iniciativa. Já em 2016, o primeiro-ministro, Li Keqiang, tinha salientado que a iniciativa “Uma Faixa e Uma Rota coincide altamente com os planos do desenvolvimento de muitos Países de Língua Portuguesa”. Disse-o no discurso de abertura da conferência ministerial do Fórum de Macau. 
Por outro lado, olhando para os cinco pilares estruturantes do projeto, um deles emerge como aquele em que Macau pode dar mais cartas: “people-to-people linkages”, ou seja estreitamento de laços entre as pessoas das múltiplas geografias. Em concreto, ser cada vez mais um dínamo para intercâmbios culturais, educacionais e profissionais, com uma aposta mais forte no turismo cultural, formação de talentos bilingues (ou trilingues), indústrias criativas e culturais e tornando-se num centro de arbitragem comercial. Com foco – na ligação com os PLP – e ação. 
Ficar-se somente pela criação de comités, cujo trabalho não é visível, e pela mera adesão retórica ao projeto Faixa e Rota é meio-caminho para a falta de relevância. Não tem de ser assim. Afinal, Macau tem todas as condições para ser Bicho-da-Rota-da-Seda. 
José Carlos Matias  27.04.2018

O desafio de Hainão

Editorial Plataforma Macau 20/04/2018


Há 30 anos a ilha de Hainão era autonomizada, administrativamente da província de Guangdong, passando também a ser uma das várias zonas económicas especiais da República Popular da China. Ao longo dos anos, foi sendo criada a expectativa de que estaríamos perante o Hawaii da China. Apesar de todo o desenvolvimento, a ilha não tem conseguido impor-se como um destino turístico internacional de topo. Volvidas três décadas, Xi Jinping anuncia um plano ambicioso que transformará toda a ilha numa Zona de Comércio Livre, com  políticas amigas do investimento para incentivar o estabelecimento de unidades de saúde, instituições médicas, a importação de equipamento médico e produtos farmacêuticos e permitir  a fixação de médicos estrangeiros.  O Presidente referiu ainda um papel, estrategicamente importante, na relação da China com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Mas mais significativo: é dada luz verde para que se desenvolvam atividades ligadas a apostas desportivas e corridas de cavalos.  Em suma, colocar Hainão como centro de nível mundial de turismo e lazer e  foco avançado de abertura económica ao investimento  privado e externo, ao mesmo tempo que lhe é conferida uma funcionalidade na política externa da China.
Perante isto, o desafio que se afigura para Macau é claro como água. Dormir na forma à sombra da bananeira da abundância, supostamente, infinita do setor do jogo, comporta riscos que crescem dia após dia. O plano para Hainão inclui áreas em que Macau já devia estar a dar cartas. Desde logo como cidade com infraestruturas de primeira água, serviços aos turistas e cidadãos locais de alta qualidade e com capacidade de atração dos melhores quadros a nível mundial.
O que impede Macau de ser um polo avançado de serviços de saúde públicos e privados de excelência com especialistas de topo? Com o que está previsto para Hainão, que futuro terá o já quase moribundo Macau Jockey Club, que viu a sua concessão ser estendida recentemente por 24 anos e meio?  E por que razão investidores externos têm enfrentado tantas dificuldades em ter sucesso em certos setores como por exemplo os dos transportes ou saúde?
A mentalidade protecionista e paroquial que ainda impera em vários setores acaba por ser uma camisa-de-forças para aqueles que têm a visão de abertura. Mas ter visão não é suficiente. Quem governa precisa também de ter coragem e firmeza para iluminar o caminho, sem estar tomado pelo medo de errar e pelos pequenos-grandes interesses que teimam em erguer obstáculos.
José Carlos Matias  20.04.2018

Navegar na Grande Baía

Editorial Plataforma Macau 13/04/2018

Não obstante o crescimento extraordinário e os progressos a que assistimos nas últimas três décadas, Macau permanece com limitações estruturais que geram preocupação e que necessitam de respostas. O novo impulso dado ao processo de integração regional, através do projeto da zona da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau,  trouxe ainda mais à tona a questão central: Que lugar de relevância terá Macau neste contexto? As respostas têm sido dadas através dos Planos Quinquenais e da estratégia gizada em Pequim e reafirmada localmente. Sintetizando a equação, Macau terá de se afirmar como Um Centro – de turismo e lazer de nível mundial –  e Uma Plataforma – de serviços para as relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A  fórmula faz todo o sentido, mas falta, a nível local, um pensamento próprio mais substancial e passos ambiciosos.
O Secretário para Economia e Finanças, Lionel Leong, referia esta semana no Fórum Boao, em Hainão, que Macau teria um papel de ligação entre elites das cidades irmãs da Grande Baía. Foi também referido por Leong que a nova conjuntura implica a “participação ativa” de Macau, ao mesmo tempo que era anunciado que o Fundo de Desenvolvimento para a Cooperação Guangdong-Macau contemplaria uma verba de 20 mil milhões de yuans.
Para que seja possível levar este barco aos bons portos da Grande Baía será necessário operar uma mudança de mentalidades. E, a este respeito, a cultura “rent-seeking” vigente entre a elite empresarial constitui um obstáculo. Esta falta de competitividade traduz-se também na impreparação dos jovens locais para jogar o jogo dos grandes na Grande Baía, como foi ilustrado num estudo recente da Federação da Juventude de Macau e na edição da semana passada do Plataforma.
O caminho passa por levar a sério este desafio, delineando uma estratégia inteligente que conjugue os interesses da RAEM com os do desenvolvimento nacional e regional. Passa também por envolver a sociedade local para que esta sinta que não está perante algo que diz respeito apenas às elites, mas num processo que lhe pode trazer benefícios e no qual tem uma palavra a dizer.
José Carlos Matias  13.04.2018

Lei Básica, avançada


Passam agora 25 anos sobre esse momento determinante para o enquadramento jurídico-constitucional da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). A promulgação da Lei Básica pela Assembleia Popular Nacional (APN), no dia 31 de Março de 1993, resultou de um processo que tem como referentes primordiais, o artigo 31o da Constituição da República Popular da China (RPC) de 1982 – que permite a criação de RAEs com um sistema próprio – e a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau, de 1987, que expõe as políticas fundamentais a serem aplicadas em relação à vigência do estatuto especial de Macau, entre 1999 e 2049. Ao celebrarmos este aniversário devemos valorizar de igual modo estes dois pilares que balizam o estatuto de Macau. A desvalorização ou omissão de qualquer um destes vetores fundacionais limita o entendimento sobre esta valiosa experiência. Na prática do princípio Um País Dois Sistemas, a diferença do segundo sistema enriquece o primeiro lado da equação (Um País), tanto mais que, como sabiamente analisou o saudoso Francisco Gonçalves Pereira, com a resolução da Questão de Macau, a China fez um “acolhimento formal da diversidade”. Esta foi uma solução feliz que tem servido bem a RAEM e a RPC.
Há que salientar que, para ser sólido, este edifício necessita de estabilidade no seu sistema jurídico e de respeito pelo princípio da continuidade. Sendo isto uma evidência, nos tempos recentes foram dados passos e proferidas declarações por parte de dirigentes que suscitam ansiedade e preocupação em certos sectores. 
A Lei Básica é a nossa bússola para manter e construir uma RAEM que não deve ser entendida apenas como um mero sistema económico separado, mas que inclui todo um inestimável catálogo de direitos fundamentais e um modo de vida próprio. Numa altura em que os riscos de erosão emergem como uma preocupação, é importante afirmar o alto grau de autonomia no contexto do princípio Um País Dois Sistemas. Colocar em prática a Lei Básica passa também por preencher um vácuo: adotar uma lei sindical que concretize o estipulado no Artigo 27o da Lei Básica que estabelece “o direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greve”. É Lei Básica, mas também avançada. 
José Carlos Matias  06.04.2018