Thursday, June 04, 2009

20 anos depois...

Naquela noite de 3 de Junho, Zhao Zhiyang estava sentado com a família no quintal. De repente ouviu disparos intensos. “Uma tragédia que iria chocar o mundo não tinha sido evitada”, disse mais tarde, em prisão domiciliária, o antigo secretário-geral para um gravador, onde secretamente gravava as suas memórias, tornadas públicas em Maio deste ano.
Em consequência da carga do Exército Popular de Libertação, morreram centenas, talvez milhares de pessoas, sobretudo estudantes, que protestavam há várias semanas na Praça de Tiananmen, Praça da Paz Celestial, símbolo da Nova China, nascida em 1949.
O desfecho resulta de várias semanas de protestos e reuniões da liderança chinesa, que acabou por optar pelo uso da força, perante a insistência dos estudantes em não abandonar a Praça. Tudo começou com a morte do antigo secretário-geral do Partido Comunista Chinês Hu Yaobang. Mas para compreender o que se passou em Abril, Maio e Junho de 1989, é necessário recuar a 1986. Nessa altura na estrutura dirigente havia já claramente uma divisão: de um lado estavam líderes como o secretário-geral Hu Yaobang e o primeiro-ministro Zhao Zhiyang, que defendiam que o Partido comunista Chinês devia avançar mais rapidamente com reformas políticas, a par da abertura económica. Do outro estavam os chamados conservadores como os anciãos Li Xiannian ou Chen Yun que alertavam contra o perigo da descaracterização ideológica do partido e contra o perigo do caos através da abertura política. No meio sentava-se Deng Xiaoping, que em 1978 tinha arrancado com as reformas, abrindo uma nova página na história da China.
Em Dezembro de 1986, milhares de estudantes protestaram contra o ritmo lento das reformas. Em Janeiro de 1987, Hu Yaobang foi afastado do cargo de secretário-geral por alegadamente ter sido demasiado brando com os estudantes e por não ter sido capaz de controlar os protestos.
Zhao Zhiyang, que era primeiro-ministro, passou para o lugar de hu, ao passo que Li Peng ficou com a chefia do governo.
Em Abril de 1989, os mesmos três protagonistas juntamente com Deng Xiaoping iriam ser actores principais dos acontecimentos de Tiananmen.
A 15 de Abril, durante uma reunião do Poliburo, do qual ainda fazia parte apesar de ter sido afastado de secretário-geral, Hu Yaobang morreu vítima de uma ataque cardíaco. O Partido prestou homenagem classificando Hu como um grande Revolucionário Proletário. Mas para muitos jovens morria o dirigente que representava a mudança e a possibilidade de abertura política da China e a luta por uma governação limpa e incorrupta. Nas universidades o ambiente já era tenso há algum tempo. Dois dias depois do anúncio da morte de Hu Yaobang, já mais de mil estudantes estavam em Tiananmen.
Uma semana depois da sua morte, cerca de 100 mil estudantes marcaram presença no funeral de Hu Yaobang e rumaram à praça de Tiananmen para entregar uma carta ao então primeiro-ministro Li Peng em que pediam que a forma como Partido julgou o ex secretário-geral fosse revista e em que faziam apelos a reformas políticas. Os protestos começaram a espalhar-se a outras cidades. Por todo o país surgiram manifestações em solidariedade com os estudantes de Pequim. Entretanto, é formada na capital a Federação Autónoma de Estudantes, uma organização à margem das estruturas do partido e do Estado, algo que foi visto como o soar do alarme na cúpula do Partido. Entretanto Zhao Zhiyang que vinha a defender desde o início a necessidade de dialogar com os estudantes parte para a Coreia do Norte para uma visita de uma semana. Na ausência do secretário-geral, alguns membros do Politburo, entre os quais Li Peng, reunira-se com Deng Xiaoping, que apesar de já não pertencer aos órgãos de topo formalmente, era de facto, ainda quem mais poder de influência tinha, em conjunto com os restantes sete membros do Conselho dos Anciãos.
Deng foi convencido que o movimento era muito perigoso, que se tratava de um movimento contra-revolucionário, cujo objectivo era derrubar o Partido Comunista Chinês. Estas posições assumidas pelo Pequeno Timoneiro foram expressas num editorial no Diário do Povo, que viria a ser um novo foco de contestação e ira. Na memória dos líderes estava ainda a revolução cultural que 20 anos antes tinha lançado o caos no país. Era imperativo evitar que isso se repetisse. O editorial inflamou os estudantes. De regresso de Pyongyang, Zhao Zhiyang discordou do tom do texto e começou a entrar em rota de colisão com Li peng que defendia mão dura. As divisões dentro do Comité permanente do Politburo tornaram-se visíveis quando a 4 de Maio, num encontro do Banco de Desenvolvimento Asiático Zhao tinha dito que o que estudantes pretendiam era apenas a correcção de políticas e a luta contra a corrupção e por maior transparência. Nessa altura Zhao defendeu que o governo e o Partido deviam responder positivamente às exigências dos estudantes que fossem razoáveis. A partir dessa altura os estudantes aumentaram ainda mais de tom os protestos. A imprensa internacional dava cada vez mais atenção aos estudantes.
O Washington Post publicou mesmo um artigo em que elogiava Wuerkaixi e Wan Dan, dois dos principais líderes estudantis. Os protestos ganharam outra dimensão com o início de uma greve de fome. No manifesto de 13 de Maio, os estudantes exigiam que o governo entrasse de imediato em diálogo e que rectificasse a forma como se referiu ao movimento, passando a designar a luta dos estudantes como patriótica e democrática Nas manifestações entretanto surgiam mais cartazes de apelo á liberdade de imprensa, democracia e contra o Partido, a par de outras causas como a luta contra a corrupção ou a inflação. A radicalização da luta surgiu na altura em que Mikail Gorbachov visitava a China. O arquitecto das reformas na União Soviética. A 16 de Maio, no encontro com Mikail Gorbachev, Zhao referiu, em público, que apesar de já se ter retirado, a voz de Deng ainda era que tinha mais autoridade em questões de grande importância, no processo de tomada de decisões do Partido e do Estado. A declaração foi mal recebida pela facção conservadora. Era o início do fim de Zhao Zhiyang. Numa reunião do Comité Permanente do Politburo com Deng Xiaoping, Li Peng responsabilizou Zhao pelo “caos” e o próprio Deng sugeriu a adopção da Lei Marcial em Pequim. Zhao opôs-se claramente defendendo que o partido devia corrigir o editorial de 26 de Abril e que era importante manter o diálogo e tentar isolar a minoria subversiva, sem recorrer à força.
A 19 de Maio Zhao desceu à praça de Tiananmen para pedir aos estudantes que terminassem a greve de fome e para abandonarem a Praça antes que fosse tarde demais. Zhao estava em lágrimas, exausto. Ao seu lado estava o seu secretário, Wen Jiabao, hoje primeiro-ministro. A lei Marcial acabou por ser imposta a 20 de Maio. Dois dias depois, Zhao Zhiyang foi afastado dos cargos que detinha no Partido e colocado sob prisão domiciliária. Os estudantes continuaram na Praça a desafiar a lei marcial durante maus duas semanas, até que na madrugada de 3 para 4 de Junho, a liderança chinesa decidia que, chegado este ponto, não havia outra solução que não a utilização da força, do exército. Com unidades vindas de fora da capital. O banho de sangue não tinha sido evitado. A imagem da China ficava manchada. As imagens correram mundo… em especial aquela imagem do jovem estudante que desafiava um tanque, impedindo a passagem. A seis de Junho, numa reunião de dirigentes do Partido, Deng Xiaoping dizia que se não se tivesse posto um ponto final à revolta contra-revolucionária havia o perigo de guerra civil… “Imaginem quantas pessoas teriam morrido”, perguntou em jeito de afirmação…

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