No início deste mês, a 1 de Julho, precisamente, supostamente entraria em vigor, na China continental, a exigência de os novos computadores terem instalado o software “Green Dam – Youth Escort”, um sistema de filtro de conteúdos indesejáveis. Todavia, inesperadamente, foi anunciado pelo governo, horas antes da meia-noite, que a exigência de instalação tinha sido adiada. O abandono sine die, por enquanto, da ofensiva das autoridades foi saudado por muitos cibernautas (netizens) chineses (com o artista Ai Wei Wei, um dos responsáveis pelo design do Estádio Ninho de Pássaro, à cabeça) que nas semanas anteriores tinha criticado ferozmente a iniciativa classificando-a como mais uma investida contra a já limitada liberdade de acesso à internet. As autoridades diziam que tinha apenas como objectivo impedir o acesso a conteúdos pornográficos e muito violentos, mas com o pacote viriam também mais bloqueios a conteúdos “inconvenientes” para o governo central.Por que razão as autoridades fizeram marcha atrás (ou leninisticamente deram um passo atrás para dar dois à frente)? Sun Wukong, no Asia Times, considera que os protestos dos netizens teriam criado uma pressão forte sobre o governo que considerou que seria arriscado avançar nesse sentido nesta altura. Sun enquadra o fiasco do Green Dam num contexto mais alargado de um Partido Comunista Chinês que, não obstante o afinco e sofisticação com que procura erguer em cada lar uma Great Firewall, começa ter dificuldades em lidar com ondas de protesto de grande dimensão na internet:
Já Willy Lam, no China Brief da Jamestown Foundation, salienta outros factores. Por exemplo, várias construtoras de computadores pessoais – asiáticas e americanas - insurgiram-se contra a instalação do software, alegando que dado que o Green dam também tem funções de spyware, isso violaria os direitos de propriedade intelectual. Por outro lado, técnicos do Ministério da Indústria e Informação Tecnológica terão detectado problemas no software. Em todo o caso, Lam observa que “the warfare between Net-empowered activists and the authorities seems destined to remain both ferocious and protracted”. Num ano de aniversários sensíveis (os 20 anos de Tiananmen, os 50 anos da revolta no Tibete e os 60 da criação da República Popular da China), a necessidade de controlar os movimentos “em rede” na rede de cariz autónomo é elevada a “prime directive”.As revoltas em Teerão e a forma como os jovens utilizaram a internet para mobilizar e dar dimensão aos protestos certamente que levou a que seja reforçado o policiamento e o controlo da internet. O papel das redes de microblogging, como o Twitter, foi alvo de atenção redobrada na China. Este mês, quando dos acontecimentos de Urumqi, o clone chinês do Twitter, o Fanfou.com, começou a ter uma função de rede de disseminação de informação paralela, que incomodou as autoridades ao ponto de ser encerrado a 7 de Julho.Num artigo, publicado hoje, no South China Morning Post é explicado que Wang Xing, fundador do Fanfou tem duas opções: ou censura ou é censurado definitivamente:
"Either the website censors sensitive feeds or the website will be censored - this uncomfortable but necessary decision has to be made," he wrote. That was one of Mr Wang's final posts before censors shut down his microblogging website on July 7 following a surge of news and comments on the violence in Xinjiang . It remains closed.
As revoltas em Urumqi, capital da Região Autónoma Uigur de Xinjiang, constituem o caso mais grave de "social unrest" desde Tiananmen, em 1989. O rastilho terá sido uma zaragata numa fábrica de brinquedos em Guangdong que opôs chineses de etnia han a chineses de etnia uigur. Mas na verdade, esse foi só mesmo o rastilho (ou a gota de água). Sendo uma situação diferente da do Tibete em vários aspectos, sobressaem semelhanças no que diz respeito a uma rejeição por parte de sectores significativos da população local à "hanificação" e "sinização" da Região Autónoma e ao impacto da Campanha "Go West", que tanto crescimento económico levou a essas regiões, mas que causou desequilíbrios demográficos e socio-económicos que agora servem de motivo para estes protestos. Tal como sucedeu em Lhasa em Março de 2008, as formas de protesto foram muito violentas com ataques indiscriminados a chineses han. Com a diferença que em Urumqi os manifestantes foram muito mais violentos e impiedosos (sanguinários). A resposta das autoridades, como se esperava, foi de larga escala, como era inevitável. A situação está polarizada de tal maneira que hoje foram chineses han que saíram em fúria contra a ultraviolência dos manifestantes uigures. Parece claro que o modelo desenhado para o Oeste da China de desenvolvimento económico, de autonomia (um conceito que na China tem um "je ne sais pas quois" de orweliano na forma como funcionam as "Regiões Autónomas" do primeiro sistema) e das relações Partido-Estado-Minorias terá que ser revisto. Esporadicamente, têm ocorrido também confrontos violentos entre Chineses Han e Chineses Hui (segunda maior minoria muçulmana na China a seguir aos uigures). Para Jian Jinbo, professor na Universidade de Fudan (Xangai), o que se está a passar é uma consequência do desmoronamento da identidade nacional chinesa baseada numa lógica de classe transétnica, que começou a ser destruída durante a Revolução Cultural. Os mecanismos criados a partir da era da Reforma (1978) pelo governo central de compensar as minorias com alguns privilégios, como por exemplo estarem isentos da política de filho único ou terem quotas para acesso às universidades não conseguiram restabelecer um certo equilíbrio que terá existido na primeira fase do Maoísmo. Jian Junbo enquadra a desharmonia numa perspectiva económica e histórica. Marx surge por vezes onde já não se espera...
Sendo interessante e enriquecedora a análise de Jian Junbo, o autor parece desvalorizar um aspecto fulcral: a hanificação rápida e em força de Xinjiang. Também no Asia Times, Sreeram Chaulia, da Jindal Global Law School in Sonipat, India, coloca ênfase nesse aspecto:
As máquinas de propaganda dos dois lados (Pequim e dos separatistas uigures no exterior) irão agora procurar moldar a narrativa que irá ficar para memória futura. Internamente, será interessante, como me alertava esta manhã um camarada jornalista chinês, ver como é que o Partido Comunista Chinês vai avaliar o que se passou - ou seja o "veredicto" oficial. Esse juízo constituirá a base para o "modus operandis" no futuro. Em Zhongnanhai os oito que por lá andam andarão numa pilha de nervos. O nono magnífico, o mais poderoso do Comité Permanente do Politburo, anda pela Europa. Um dia destes visita mesmo a Ocidental Praia. Disso falaremos em breve.
P.S. Vale a pena espreitar esta breve entrevista a Andrew J. Nathan um dos mais sapientes sinólogos norte-americanos. É pena ser curtinha a conversa, mas traz à superfície pontos essenciais.
Desde 2003 que tem sido assim. Uns anos com mais outros com menos, mas são sempre vários milhares de pessoas que percorrem a ilha de Hong Kong, no dia em que é assinalado o aniversário da transferência de administração. Ao mesmo tempo, outros milhares celebram o dia em que a Rocha, a península e Novos territórios regressaram mãe-pátria. Sempre que a economia está combalida, a afluência aumenta, em manifestações cujas bandeiras vão bem para além da democratização do sistema político. Na prática, esta manifestação e as vigílias no 4 de Junho são sinais enviados ao mundo e a Pequim. É a tensão que perdura numa sociedade pós-colonial em que o patriotismo assume feições bastante utilitárias. Ou, nas palavras de Stephen Vines, comentador baseado em Hong Kong, um patriorismo algo "esquizofrénico". Vale a pena recuperar um vídeo do site Danwei, realizado há um ano, no 11º aniversário da transferência, no ano dos Jogos Olímpicos de Pequim: