José Carlos Matias
O primeiro-ministro, Li Keqiang, anunciou, na abertura da Assembleia Popular Nacional, que, em breve, vai ser revelado o plano de desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O objetivo é claro: acelerar o caminho para a integração regional, rapidamente e em força. As declarações do Diretor do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado também não deixam margem para dúvidas, ao salientar que vai ser necessário agilizar leis e mecanismos para melhorar o fluxo de talentos, bens, capital e informação entre o espaço da Grande Baía: nove cidades da província vizinha e as duas regiões administrativas especiais. Trata-se de um enorme desafio para Macau, que vai determinar e moldar o rumo da região nas próximas décadas que nos vai levar até, e além de 2049. Neste contexto, é fundamental que Macau se posicione para maximizar o seu papel e tirar proveito das oportunidades criadas. É crucial, no entanto, que este processo não seja apenas desenhado a partir do topo; Macau e as suas gentes devem ter voz própria para elevar a sua relevância e autonomia, suplementando e enriquecendo o processo de desenvolvimento nacional e da região do Delta do Rio das Pérolas. A fórmula a ser desenvolvida deve conter garantias de preservação e projeção das caraterísticas diferenciadoras da RAEM.
A ligação com os países de língua portuguesa é, desde logo, estruturante neste processo, não só porque fortalece Macau interna e externamente, como porque permite que a cidade se constitua como mais-valia no contexto da Grande Baía. Serão precisas políticas concretas que deem robustez a esta estratégia, que deverá posicionar Macau, não apenas como plataforma económica e comercial sino-lusófona, mas, de igual modo, como polo cultural, científico e académico. É aqui que a relevância se entrecruza com a autonomia.
Todavia, não poderá ser uma autonomia despida de substância, de um sólido sistema jurídico e de um catálogo de direitos liberdades e garantias que dão sentido e identidade a Macau. O respeito, observância e valorização destes princípios não pode cingir-se a declarações genéricas de adesão ao princípio “Um País, Dois Sistemas”. A pujança do segundo sistema advém de um estado de direito vigoroso, de uma cidade tolerante e aberta, em que as liberdades são, efetivamente exercidas e não somente proclamadas, começando pela liberdade de expressão. Evitar ser esmagada pelo abraço do urso é de crucial importância. O que se passou no Festival Rota das Letras, relativamente aos “escritores inoportunos” e o que veio a lume nos últimos dias é um alarmante sinal de perigo. Não devia ter sucedido e não pode voltar a acontecer. A autonomia tem de ter relevância e substância.