A propósito da visita do presidente chinês aos Estados Undios, a última capa da revista “Newsweek” mostra Hu Jintao e George W. Bush na primeira página com o título “The Real Clash of Civilizations”. No interior a publicação explica quais são os grande temas de fractura – direitos humanos, liberdades civis, valor do yuan, desrespeito pelos direitos de propriedade intelectual, as “amizades políticas” com estados párias ou nações que desafiam a hegemonia americana, etc – para concluir que enquanto Washington se tem preocupado ao longo dos últimos anos com o fundamentalismo islâmico, “China poses the most serious challenge to America and its global vision”.
Embora a Newsweek refira challenge e não threat, existe subjacente a este freaseado esse cartão da “Ameaça-China” que dá votos, vende livros e impressiona, mas é redutor e em certa medida perigoso.
Esta self-fulfilling prophecy não é recente e tem vindo a ganhar terreno em Washington quer nos meios políticos, intelectuais mais bélicos, quer nos media. Neste contexto, julgo que é importante e necessário entender o significado da emergência da China num plano mais vasto sem estar amarrado à tese de que a próxima guerra fria está para chegar e que um conflito entre a China e os EUA é inevitável. Esta asserção tem por base uma tendência de uma certa escola realista de entender que sempre que existe um processo de catching up entre um poder hegemónico e o seu principal concorrente, id est, uma transição de poder ou pelo menos uma reorganização da distribuição das capacidades no sistema internacional, a probabilidade de conflito aumenta ou será mesmo quase inevitável.
Historicamente, desde a segunda vaga de industrialização (estamos a falar nomeadamente na Europa Ocidental e nos EUA) o único caso claro em que não houve uma guerra ou conflito foi na transição de poder da Grã Bretanha para os EUA, nas duas primeiras décadas do século XX. Recentemente alguns académicos e analistas consideram que o que se está a passar com a China é uma reminiscência do que aconteceu com o Japão e com a Alemanha no passado.
É certo que os conceitos clássicos realistas de self-helf, interesse nacional, do dilema de segurança, na inexistência de autoridade na estrutura internacional composta por estados não perderam a validade depois do fim da guerra fria. Contudo, poderá ser insuficiente aplicar os óculos realistas clássicos, neorealistas ou realistas-mercantilistas ao que se está a passar no processo China-EUA que antes de mais é, obviamente, dinâmico.
De momento, apesar das diferenças que emergem e que foram referidas no primeiro parágrafo deste texto, o que predomina é a interdependência económica. Não quer isto dizer que não possamos vir a testemunhar uma viragem para um cenário em que na defesa do interesse nacional surjam (como estão a surgir) movimentos proteccionistas que criarão um ambiente propício ao conflito. Tudo depende de vários factores. Do processo de negociações na OMC, da política doméstica de cada país, das dinâmicas nas relações de cada um dos países com outros poderes como a Rússia, a China, a UE, etc, da construção das identidades enquanto poderes no relacionamento de um estado com o outro, da capacidade da China vencer o desafio de manter uma economia cada vez mais aberta e um sistema político centralizado e autoritário, da tentação norte-mericana para o containment da China em vez do engagement, etc.
Friday, April 28, 2006
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