A propósito de "China´s Trapped Transition" de Minxin Pei.
Minxin Pei não é optimista. Assume-o desde logo na introdução “China’s Trapped Transition”. Este académico chinês, residente nos EUA e investigador do Carnegie Endowment, coloca em causa o argumento segundo o qual, em regimes autoritários, a abertura à economia de mercado gera forças que pressionam as elites a acelerar as reformas políticas rumo à democratização. Logo no início do livro, Pei é claro: “(...) the autoritanian ruling elites can reap political gains from the increasing economic growth because such growth helps legitimize their rule and their policies” (P.9). Para Pei a China está a gerar estados-mafia a nível provincial que fogem quase por completo à cadeia de comando de Pequim e que funcionam à margem do incipiente estado de direito chinês. A transição está armadilhada porque o estado se torna num predador; em vez de cumprir o seu papel de alguma redistribuição da riqueza e de modernização da economia, no verdadeiro sentido, ou seja em termos de inovação e competitividade além do factor da mão de obra extensiva. O autor argumenta com base em estatísticas oficiais e independentes, estudos de opinião e entrevistas que, não só a legitimação, como a legitimidade está num processo sem retorno de erosão e que as reformas económicas na década de noventa fracassaram. O conluio entre o partido, o estado e as empresas recém-privatizadas agudiza uma situação de corrupção que considera ser endémica. “(a developmental autocarcy’s overriding goal of self-perpetuation is ultimately imperiled by the self-destructive dynamics found in nearly all autocracies: low political accountability, unresponsiveness, collusion and corruption” (p.208). O resultado de tudo isto, antecipa, pode ser o colapso de um regime em decadência ética, económica (apesar do crescimento do PIB) política e que acima de tudo não tem capacidade para satisfazer as necessidades de uma parte significativa da população para quem o crescimento económico tem passado ao lado da sua sobrevivência.
Do lado contrário da barricada intelectual sobre a transição da China coloca-se o sinólogo norte-americano Andrew Nathan. Numa recensão publicada na Foreign Affairs de Julho/Agosto de 2006, o académico autor de “China’s New Rulers” desmonta a argumentação de Pei. Elogia o seu trabalho de recolha e análise dos dados - “his description of these problems is accurate, but his interpretation is questionable” (p.177).
Nathan considera que existe uma capacidade regeneradore no Partido Comunista Chinês capaz de resistir à disrupção. Ou seja, a sua capacidade continuada de manter apoio popular através da combinação de um crescimento económico pujante, repressão e propaganda engenhosa e sucessos na política externa que agradem às facções nacionalistas. No entender de Nathan o que está à prova na China é a capacidade de um regime autoritário. Argumentando que existem passos dados por Pequim no reconhecimento dos desafios, problemas e limitações de um modelo de desenvolvimento económico e social pouco sustentável, Nathan afirma que Pei ignora que actualmente são os próprios órgãos de informação estatal a denunciar situações de destruição do ambiente falta de harmonia social e desequilíbrios campo/cidade e oeste/este. Mais importante, “Pei ignores the central fact of Chinese political life today: the power and unity of the central party elite”.
Comecei por ler a crítica de Nathan ao livro antes de “entrar” na obra de Minxin Pei. Condicionado? Talvez. De facto, o enquadramento teórico e algumas conclusões de “China’s Tarpped Transition” apontam para um beco sem saída. A questão é se na verdade a China está mesmo a seguir esse caminho ou se, em alternativa, ainda se encontra numa bifurcação ou mesmo num Entroncamento. “Learning by doing” espera o maquinista. E os passageiros o que pensam ? E os que perderam o comboio?
Tuesday, April 17, 2007
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3 comments:
Parece-me que essa questão não é exclusiva da RPC, ou mesmo da China. Aqui e em qualquer outra parte do mundo o maquinista espera que o presente lhe alumie o trilho a seguir amanhã, os que vão nas carruagens retardam ao máximo a passagem do tempo, os que não embarcaram olham o horizonte freneticamente esperando um outro comboio, mesmo que não seja bem o deles (Pelo que será essencial ao maquinista escolher muito bem quem deixa apeado e quem atrela a si, bem gerida esta questão, seja qual for o caminho a percorrer ele será o maquinista por muito tempo).
Da queda de um sistema político não podemos concluir desde logo o colapso de um Estado ou nação, pois não?
Meu bravo Daniel,
Obrigado por mais um comentário interessante. Pegas na metáfora com que terminei o texto e referes muito bem: "Pelo que será essencial ao maquinista escolher muito bem quem deixa apeado e quem atrela a si, bem gerida esta questão, seja qual for o caminho a percorrer ele será o maquinista por muito tempo".
Um dos aspectos que não abordei neste pequeno texto sobre o muito interessante livro de Minxin Pei tem a ver com a cooptação de classes sociais que poderiam representar um perigo para a manutenção do monopólio do poder político por parte do PCC: intelectuais e empresários "capitalistas vermelhos patriotas", que tiveram a bênção de Jiang Zemin com a "Teoria dos Três Representantes", podendo assim entrar para o Partido.
Os que não apanharam o comboio estão a manifestar o seu desagrado diariamente em manifestações nas zoans ruarais sobretudo. São os tais 40 mil protestos que o Estado admite existir. A "sociedade harmoniosa" e o 2novo campo socialista" são exemplos da forma - apenas retórica? - como o Partido procura conter as contradições inevitáveis do processo de abertura ao capitalismo num contexto desprovido de defesas para o proletariado e campesinato (há quem encontre semelhanças com o capitalismo selvagem do século XIX). Contudo - Pei dá vários exemplos - a eficiência dos governos a nível local e provincial é amiúde medíocre. De qualquer modo, convém salientar que o descontentamento é dirigido sobretudo às autoridades locais, sendo que o poder central ainda goza de um prestígio sobre o qual tem sido edificado e mantido este contrato social tão peculiar.
Quanto à tua pergunta final, naturalmente que não.Mas não devemos esquecer que na China o sistema político,o Estado e a Nação fundem-se de tal forma que o colapso do primeiro abala seriamente os dois restantes.
Minxin Pei não professa a fé do gradualismo... Eu não posso dizer o mesmo.
Saudações do Mar do Sul da China
Abalo, instabilidade, rupturas e refregas diabólicas, sim. Tudo isso costuma suceder ao colapso de um sistema político. Mas para quem analisa um Estado e, com mais propriedade ainda, uma Nação, torna-se claro que os sistemas políticos são produtos ou respostas temporais dos Estados e Nações. A China é neste especial um excelente exemplo nas marcações que permite fazer ...ming/quing/Nacionalista/R.P.C.. Em relação a Portugal o mesmo poderia ser feito em relação ao século XX, pois de facto mudamos, grosso modo, 3 vezes de sistema político, mas, conseguimos ver nestas transições diferenças assim tao abissais?
Enfim, basicamente é a minha percepção da China como uma grandeza que utilitariamente ainda se apresenta enquanto R.P.C.. Decretar-lhe (à China)becos sem saída é que me parece estranho.
Sinteticamente, Minxin Pei aponta o fim de um sistema político, Andrew Nathan diz-nos que ainda não é altura, que este sistema ainda se vai adequar aos tempos de forma satisfatória. Falamos de uma esperança de vida de quantos decénios (mesmo em relação à China temos hoje medo de usar medidas seculares...ehehehe)? O gradualismo apresenta-se como uma explicação de uma adequação do sistema político, contínua e permanente, sem fim? Ou pretende apenas prever transições de sistema mais rápidas e menos dolorosas?
Abraços. A resposta tardou devido a um rendez-vous com mestre Niço;)
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