Wednesday, December 14, 2005

Cimeira da OMC II

Manifestação nas ruas de Hong Kong
13 de Dezembro de 2005.

São 11 da manhã. Saio do Centro de Acreditação na Central Library de Hong Kong e atravesso a estrada rumo ao famoso Victoria Park. Ao longe já ouço megafones e vislumbro bandeiras vermelhas. É a Liga dos Agricultores Sul-Coreanos. Irados, gritam e cantam em uníssono, de forma disciplinada. “WTO is killing the farmers” e “Dow Down WTO” são as únicas palavras que percebo no discurso do líder do grupo d centenas de camponeses que se opõe à liberalização do comércio mundial.
Se na Europa os maiores protagonistas das manifestações anti-globalização costumam ser os grupos que se dizem de extrema esquerda e anarquistas – geralmente os mais violentos -, em Hong Kong são os agricultores sul coreanos que apresentam um tom mais aguerrido. Marcham, cantam e garantem que a “OMC está a matar os agricultores sul coreanos”. Tae-sook Lee, líder do movimento acusa a OMC de querer “impor o arroz e outros alimentos na Coreia do Sul, o que dizimar a agricultura no país”.
Em representação do ódio que sentem pela organização internacional que em 1995 substituiu o General Agreement on Tarifs and Trade (GATT), os manifestantes sul-coreanos incendiaram uma caixão que transportavam com a inscrição “WTO R.I.P.”. Pouco depois, já a algumas centenas de metros do Centro de Convenções onde decorre a cimeira, lançaram ovos e garrafas de plástico às forças policiais, presentes em grande número no local. Na resposta, as autoridades carregaram sobre alguns manifestantes, lançando gás-mostarda, impedindo assim que a manifestação avançasse para uma zona mais próxima do local onde decorria a reunião ministerial.
Perante isto, um grupo de cinquenta representantes dos agricultores sul coreanos saltou para a água tentando assim chegar por outros meios ao Centro de Convenções, numa tentativa inglória. No entanto, a voz anti-globalização chegou a ser ouvida dentro do plenário da reunião ministerial da OMC, na sessão de abertura, quando o director-geral, Pascal Lamy discursava. Algumas organizações Não Governamentais (ONG), que foram convidadas para participar em fóruns realizados à margem da cimeira, levantaram cartazes que enviavam a mesma mensagem dos sul coreanos: “A OMC mata os agricultores”.
No Victoria Park, na zona de Causeway Bay, centenas de pessoas iam juntando-se em pequenos grupos defensores das mais variadas causas: da agricultura ao ambiente, passando pelos direitos das mulheres, das minorias étnicas, dos imigrantes ou dos trabalhadores em geral. A uni-los está o repúdio pela OMC, pela globalização, o neoliberalismo.
Mas afinal contra o que é que se manifestam todos estes movimentos? "Acima de tudo contra esta maneira de decidir sobre a vida de milhões de pessoas, sem ter em conta a vida de quem trabalha a terra e que passa por tantas dificuldades”, responde Vinod Shetty, advogado da Confederação Indiana de Agricultores. "Os indianos não estão preparados para a liberalização, não teremos hipóteses de competir com a Europa e os Estados Unidos", garante.
Ao lado, com o som de fundo das canções de combate dos sul-coreanos, o presidente da Associação de Consumidores Filipinos, atirava contra o nivelamento por baixo da qualidade dos alimentos num cenário de abertura dos mercados, enquanto trocava impressões com um outro grupo nipónico que veio a Hong Kong defender a agricultura familiar.
Num registo mais clássico, Elmer Labog, da associação sindical filipina “May First Labor Mouvement" erguia o punho contra o imperialismo e cantava bem alto a "Internacional" em tagalog, naturalmente. "Não podemos aceitar este modelo de desenvolvimento, baseado na exploração de recursos naturais, ignorando os direitos e as vidas de quem trabalha", disse.
Na manifestação pontificavam os movimentos oriundos da Ásia Oriental e Sudeste Asiático, mas também vieram activistas da Europa.
Alexi Pasadakis viajou da Alemanha para divulgar a mensagem da ATTAC e para levantar a voz “contra uma globalização que só beneficia as grandes multinacionais”. O objectivo desta organização é, pelo menos, adiar e arrastar o andamento das negociações, “algo que está acontecer porque nos últimos meses nada de substancial aconteceu”. “Um outro mundo é possível”, clamam várias organizações que se opõe à globalização ou que se assumem por uma outra globalização, “mais justa”. Mas se o que se defende é o fim da OMC, onde devem ser discutidos os assuntos relacionados com o comércio mundial?. Alexis Pasadakis julga que as Nações Unidas seriam uma sede mais indicada para debater o comércio, “mas as trocas comerciais só têm sentido se estiverem ligadas a uma política virada para o desenvolvimento e que esteja ao serviço dos povos”, adianta. Para isso seria necessário também “que as Nações Unidas fossem bem diferentes.”
Dos cerca de 4500 manifestantes a esmagadora maioria veio de fora, em especial da Ásia Oriental. Da antiga colónia britânica apenas sobressaía a “Hong Kong Alliance Against WTO” e Leung Kuok Heung, mais conhecido por “Long Hair” – activista de um grupo esquerdista pró-democracia e deputado eleito directamente para o Conselho Legislativo – que acabou por se envolver em pequenos confrontos com a polícia. A fraca afluência de grupos de Hong Kong à manifestação pode ser explicada pelas palavras de Donald Tsang, chefe do governo local, na sessão de abertura da conferência ministerial da OMC:
“Eu quero enfatizar a importância da OMC para Hong Kong. Como uma pequena economia orientada para o exterior sem recursos naturais, além de um magnífico porto de aguas profundas, Hong Kong tem confiado no comercio livre e numa população trabalhadora e empreendedora para transformar aquilo que foi uma pequena vila piscatória num grande centro internacional financeiro”.

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