Tuesday, February 14, 2006

Ainda o Choque de Civilizações

1. José Pacheco Pereira lembra - e bem - que devemos ler o artigo e o livro de Huntington à luz da altura em que foram publicados, 1993 e 1996, respectivamente, num contexto pós-Guerra Fria, anos antes dos atentados de 11 de Setembro e os subsequentes acontecimentos e, em termos literários, como resposta à tese de Francis Fukuyama em The End of History an the Last Man. Mas também deve ser equacionado à luz da procura da "next big threat" para os EUA, depois do fim do Bloco de Leste. A questão é que se uma teoria - se é que o que Huntington nos propõe é uma teoria e não apenas uma tese - é "uma construção intelectual que nos ajuda a seleccionar os factos e a interpretá-los de forma que seja facilitada a explicação e a capacidade de antevisão no que diz respeito a regularidade e recorrências dos fenómenos observados" (Paul Viotti e Mark Kauppi, p.3), julgo que o que Huntington nos oferece tem limitações. Mesmo quando Huntington escreve "nation states remain the principal actors in world affairs. Their behaviour is shaped as in the past by the pursuit of power and wealth, but it is also shaped by cultural preferences, commonalities and differences" (The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, p.21), certo é que mais à frente (p.29) refere que "the key issues on the international agenda involve differences among civilizations". Em meu entender, ao longo dos últimos anos, na maioria dos casos, as fontes de conflitos tiveram mais origem na clássica distribuição de poder no sistema inter-estatal e em aspectos como o acesso a fontes de energia ou acções preemptivas que reflectem o também clássico dilema de segurança. Naturalmente que as diferenças culturais são importantes. E que as tensões de cariz étnico e religioso estão patentes, mas a questão é saber se as diferenças civilizacionais no mundo Pós-Guerra Fria são as mais determinantes na análise da origem dos conflitos. Há dimensões que se sobrepõem e que devem ser entendidas de modo articulado como a projecção de poder, a emergência de nacionalismo, a dimensão ideológica ou a noção de self-help e de "anarquia" na estrutura internacional.
2. Edward Said olhava assim para Huntington: "In fact, Huntington is an ideologist, someone who wants to make "civilizations" and "identities" into what they are not: shut-down, sealed-off entities that have been purged of the myriad currents and countercurrents that animate human history, and that over centuries have made it possible for that history not only to contain wars of religion and imperial conquest but also to be one of exchange, cross-fertilization and sharing".

3. Em Outubro de 2001, Huntington analisava assim a hipótese de um Choque de Civilizações:
Is this the clash of civilisations you have been warning about for nearly a decade?
Clearly, Osama bin Laden wants it to be a clash of civilisations between Islam and the West. The first priority for our government is to try to prevent it from becoming one. But there is a danger it could move in that direction. The administration has acted exactly the right way in attempting to rally support among Muslim governments. But there are pressures here in the US to attack other terrorist groups and states that support terrorist groups. And that, it seems to me, could broaden it into a clash of civilisations



Lida ou treslida, a mensagem de Huntington é de quase inevitabilidade de um choque de civilizações. E parece que em Washington há quem leve esta tese muito a sério, pelo que se tem visto. Poderemos estar, em grande medida, perante a possibilidade de uma self-fulfiling prophecy.

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